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O que podemos aprender sobre os jovens de hoje com os jovens de outras épocas?

e como a IA generativa já está alterando a realidade pelas beiradas

Como o ChatGPT e outras IAs generativas já estão impactando a cultura e o mercado?

Selecionamos alguns usos ousados e extremos de IA generativa como uma prévia do que ainda está por vir.

  1. Produzir resenhas falsas de produtos em escala industrial - Uma das preocupações comuns entre os mais preocupados com o avanço da IA é a potencial velocidade de proliferação de informações falsas. Com resenhas de produtos, já está acontecendo.

  2. Criar emails intimidadores para cobrar clientes caloteiros -  Muitos no setor de serviços B2B conhecem as agruras envolvendo pagamentos. Greg Isenberg, CEO de uma empresa americana de design usou o ChatGPT para criar um email de cobrança que finalmente fechou uma dívida de mais de 100 mil dólares, que estava em aberto há mais de 5 meses.

  3. Oferecer serviços de namorada virtual em escala - A influencer americana Caryn Marjorie lançou CarynAI, um chatbot baseado em voz capaz de simular um relacionamento, por um dólar por minuto. O aspecto financeiro não é surpreendente, dada a maior visibilidade de relacionamentos com elementos abertamente transacionais (hoje a conceito de sugar daddy é amplamente conhecido), a produção de conteúdo adulto P2P por assinatura ser mainstream e já existirem empresas que agenciam criadores de conteúdo e também funcionam como “call centers”, simulando intimidade em escala com seus assinantes. A empresa que criou o Caryn AI para Marjorie foi a mesma que criou chatbots baseados em voz para Steve Jobs, Taylor Swift e Donald Trump.

  4. Ler nas entrelinhas do discurso das lideranças econômicas - Com a tensão sobre movimentos nas taxas de juros em vários países do mundo, em particular nos EUA, a capacidade de ler nas entrelinhas do discurso técnico e apaziguador (apelidado de “fedspeak”) de Jerome Powell, presidente do Federal Reserve americano, tem bastante utilidade financeira. Estudos feito pelo Federal Reserve Bank de Richmond e pela Universidade da Florida mostrou que o ChatGPT não só tem capacidade de interpretação similar à humana como pode formular recomendações de investimento sobre estas interpretações com forte correlação com os movimentos do mercado de ações.

  5. Antecipar modelos de colaboração e lucro compartilhado para música criada usando AI - A cantora Grimes propôs que quaisquer músicas compostas usando versões IA da voz dela voz recebam 50% dos royalties. A discussão sobre propriedade intelectual nas artes vem esquentando com muita experimentação acontecendo nas novas plataformas de video, música e artes visuais generativas e muitas criações, especialmente musicais, já foram tiradas do ar pelas grandes gravadoras. A postura da Grimes pode ajudar a guiar modelos de colaboração futuros envolvendo músicas criadas usando IA.

  6. Ser pauta fundamental da primeira onda de protestos, greves e mudanças de carreira por trabalhadores que percebem seus trabalhos como ameaçados - As guildas e sindicatos de roteiristas de Hollywood estão em uma greve que já dura dois meses e vai atrasar o lançamento de novas temporadas de diversas séries conhecidas. Já há relatos mais anedóticos de pessoas se vendo forçadas a mudar de carreira, especialmente em funções mais de entrada ligadas à redação de textos e em níveis de senioridade mais baixos.

Mas e mais para frente? Duas visões muito qualificadas e contrastantes sobre o futuro da IA discutem o assunto.

Pensando no futuro da IA, uma leitura essencial é esta discussão com pouquíssimos pontos de concordância entre dois pesos pesados de seus respectivos campos de conhecimento: Yuval Harari, o historiador israelense autor de best sellers como Sapiens e Homo Deus, e Yann LeCun, cientista chefe de IA na Meta, ganhador do premio Turing (equivalente ao Nobel para Ciência da Computação) e considerado por muitos entre as figuras mais influentes quando o assunto é IA no mundo.

Jovens: para entender o que é de hoje, precisamos primeiro entender o que é de sempre.

Para quem trabalha estudando o comportamento humano, é muito frustrante ver como alguns clichês vazios sobre a juventude ainda persistem em relatórios genéricos, matérias caça clique e papos de corredor por aí. “Juventude hiperconectada”, “geração mais consciente”, “geração mais tolerante” e outras lugares comuns que não nos ajudam em nada a entender o que de fato é novo para quem é jovem hoje são repetidos à exaustão, e pior, comprados como novidade por quem não entende do assunto em profundidade.

Para que a gente consiga entender o assunto mais objetivamente, especialmente como “não jovens”, precisamos tomar como premissas que nós, conforme amadurecemos:

  • esquecemos partes importantes de como éramos quando jovens

  • comparamos a nós mesmos adultos e maduros com os mais jovens de hoje, o que não é uma comparação nem justa nem realista.

  • idealizamos o passado. Esse aspecto em particular tem um porquê científico e evolutivo.

Ainda que a ideia de que o período da adolescência deveria ser considerado dos 10 até os 24 ou 25 anos tanto por motivos sociais e biológicos quanto cognitivos e de desenvolvimento cerebral tenha ganhado bastante corpo na ciência nos últimos anos, alguns padrões são estruturais e mesmo alguns mais recentes se repetem há tempo o suficiente para que os consideremos previsíveis.

O que é de sempre:

  • A construção da identidade, por afinidade e por oposição, como indivíduo e como grupos, aberta em duas frentes muito importantes:

    • A ênfase no contato com os pares. As dinâmicas de construção de identidade, tanto individualmente quanto como membros de grupo estão a todo vapor nesta fase da vida e esse processo se dá primariamente no contato com os pares. Todas as subculturas jovens e adolescentes do século XX para cá giram em torno do estabelecimento de códigos visuais (roupas, marcas, gestual, etc.) e formas de comunicação (gírias, frases de efeito, linguagem não verbal) deliberadamente pouco compreensíveis aos “de fora”, que sinalizam pertencimento. Essa ênfase no contato com os pares explica o telefone fixo da casa dominado pelos adolescentes antes dos celulares chegarem às mãos da juventude, o ICQ e o mIRC na madrugada no fim dos anos 90, o MSN Messenger nos anos 00 e as muitas horas diante da tela do celular dos dias de hoje. Resumindo: ser “hiperconectado” não é novidade, apenas se ajusta à tecnologia da época.

    • O conflito geracional, tão recorrente e antigo que há registros sobre o assunto na obra de filósofos gregos e na Babilônia. Há evidências de que o porquê evolutivo disso é que conforme chegamos à maturidade sexual, romper com o núcleo familiar de origem é parte do processo de formação de novas famílias e núcleos sociais. Aqui, o processo de formação de identidade é mais estabelecido por oposição (sei quem e como não quero ser). Isso explica o slogan “Não confie em ninguém de mais de 30” dos anos 60 e, em parte, a solidariedade dos jovens com os que sofrem preconceitos de todos os tipos muitas vezes não se estender ao etarismo…

  • Tendência ao pensamento binário e com pouco espaço para ambiguidade em temas complexos (o que explica uma inclinação a serem mais idealistas, maniqueístas ou mesmo se identificarem com ideologias mais extremas). Estudos científicos apontam que a performance cognitiva de jovens e adolescentes é próxima ou igual a de cérebros adultos, desde que eles não estejam sobre a influência de emoções, pois sua capacidade regulatória emocional é menor. Além disso, a falta de vivência prática de alguns aspectos da vida implica em uma visão mais orientada pelo teoria. Coerência e a capacidade de enxergar nuances são características da maturidade. Um exemplo generalista mas bem contemporâneo de como essa dissonância se opera é que, no discurso pelo menos, os jovens são os mais preocupados com o aquecimento global de acordo com múltiplos estudos, mas ao mesmo também o público alvo mais ávido do fast fashion chinês, que tem credenciais ambientais assim como práticas laborais bastante questionáveis. Resumindo: uma visão de mundo mais idealista, orientada ao coletivo, justiça e ao bem comum de forma mais ampla não é característica de uma geração ou de outra, mas da forma como cérebros jovens procurando seu lugar no mundo se desenvolvem.

  • Pelo menos desde os anos 50 para hoje, época que marca o surgimento da adolescência e juventude enquanto mercados de consumo, dois desdobramentos das ideias de auto descoberta, auto exploração e contestação do núcleo familiar de origem e das gerações anteriores:

    • Descoberta e experimentação sexual, redefinição dos códigos de conduta nesta esfera da vida

    • Experimentação com substâncias psicoativas de todos os tipos; os tipos de substância em alta ou em baixa dependem muito da época e da geografia. 

Então, finalmente, para entender o “agora”, precisamos explorar como são hoje essas manifestações que acontecem sempre entre os jovens.

O que é de “agora”

  • Relação muito ambivalente com as mídias sociais - As mídias sociais são simultaneamente “espaço social” principal dos jovens de hoje, em algumas circunstâncias substituindo circunstancialmente inclusive lugares físicos de outros tempos como o shopping, assim como um dos consumos principais de mídia se medimos por tempo de uso. Com esse papel tão central, tanto os aspectos positivos quanto negativos da relação com elas tendem a ser amplificados.

    • Por um lado, abriu uma série de possibilidades pessoais e profissionais envolvendo visibilidade e impacto, do ativismo à produção de conteúdo como profissão e, com isso, uma chance muito maior de independência financeira mais cedo na vida e eventualmente, fama. O “ser influenciador / YouTuber” de hoje é o “ser DJ” de 20 anos atrás, mas com possibilidades mais amplas de se transformar em uma profissão em tempo integral capaz de ser a ocupação principal destas pessoas, ainda que já haja sinais de saturação. Comparando com outros tempos, essa independência financeira e ascensão profissional ainda na juventude só era possível para artistas e esportistas (carreiras com “funis” bastante mais estreitos). Grande parte dos criadores de conteúdo mais visíveis e conhecidos ainda não chegou aos 30 anos.

    • O outro lado da moeda é que nosso universo de comparação com os outros foi expandido para patamares muito distantes de nossa realidade (antes eram nossos meios sociais mais próximos como escola, faculdade, trabalho, círculo de amigos), e de forma muito quantificável (seguidores, likes, engajamento) - esta dinâmica está muito bem explicada aqui. O potencial destrutivo da comparação em termos de aparência, fama, sucesso financeiro acontece com todos, mas é bastante agravado entre os jovens, que estão com suas identidades e auto estima ainda em construção e o número de estudos que apontam resultados similares vem aumentando.

  • Na frente da experimentação com psicoativos, caiu bastante do tabu relacionado ao consumo de cannabis em todas as suas formas (em crescente legalização em várias partes do mundo), dos psicodélicos e do MDMA (estes últimos passando por diversos estudos clínicos para tratamento de problemas como depressão, estresse pós traumático, ansiedade, entre muitos outros). O uso de medicamentos de prescrição como drogas recreativas, muito comum e antigo nos EUA, também está mais frequente entre os jovens brasileiros, em especial os nootrópicos, indutores de sono como o Zolpidem, e diversos outros, ao mesmo tempo em que há certa reavaliação da relação com o álcool.

  • Na vida sexual, muitos dados apontam para sexualidades com mais fluidez e rótulos menos rígidos (e como consequência, mais aceitação e abertura a entender isso nos outros), assim como mais abertura a formas não monogâmicas de relacionamento (abertos, poliamor, “amigos com benefícios”, entre outros.), assim como mais identificação entre os jovens em grupos historicamente marginalizados como LGBTQIA+

Para ilustrar esses pontos, recomendamos três séries que bombaram nos últimos anos e ilustram algumas manifestações interessantes tanto do que é “agora” como do que é de sempre, ainda que por lentes bastante norte americanas. 

  • White Lotus (HBO) - em particular a personagem de Sydney Sweeney (Olivia) na temporada 1 e a de Adam diMarco (Albie) na temporada 2

  • Euphoria (HBO)

  • Sex Education (Netflix)

O legado de Jung: separando o útil do pensamento mágico

Jung é um dos teóricos da Psicologia com mais contribuições de impacto que perduram ainda hoje, inclusive nos círculos de insights e marketing. Qualquer um que já moderou um grupo focal ou assistiu um por trás do espelho sabe da importância e da utilidade das famosas técnicas projetivas (“Se essa marca fosse um animal, qual ela seria? Por que?”).

Há também bastante apropriação de algumas de suas ideias sem embasamento científico, como arquétipos, inconsciente coletivo e interpretação de sonhos - algumas das quais infelizmente também perduram no marketing e no mundo dos negócios.

Esse artigo disseca um pouco deste legado, separando o joio do trigo, com explicações sucintas para os conceitos chave.

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