O que podemos aprender sobre o momento atual com a Era Dourada?

Como se sentir empoderado ou despoderado afeta nossas ambições?

A Era Dourada foi o período no final do século XIX em que a industrialização e os setores associados à ela eram o centro da economia - principalmente ferrovias, mas também siderurgia, eletricidade, petróleo e o início das telecomunicações. O impacto das ações individuais de magnatas e inventores na sociedade era enorme  - nomes como Vanderbilt, Rockefeller, Carnegie, Westinghouse, Bell e Edison foram marcados na História e e seu impacto perdura através de empresas e fundações criadas por eles. 

Nesta época, uma teoria popular entre historiadores era a do Grande Homem, a ideia de que alguns poucos indivíduos com capacidades extraordinárias seriam responsáveis por guiar o progresso da humanidade. Foi um período de muita criação mas também de muita concentração de riquezas, o que acabou por formar monopólios e oligopólios e agravar a pobreza extrema nos EUA. O fim desta era veio com um papel ampliado do Estado, com grandes reformas em legislações trabalhistas, quebra de trustes e monopólios, e também a ascensão dos movimentos trabalhistas nos EUA e um entendimento das desigualdades sociais como problema moral.

As similaridades deste período com o momento histórico que estamos vivendo são muito grandes - pelo papel econômico central da tecnologia e pelo enorme impacto na sociedade das decisões de indivíduos que não são chefes de Estado ou eleitos, refletido na cobertura e no engajamento das pessoas nas “novelas” como a da saída e retorno de Sam Altman da OpenAI e as peripécias de Elon Musk e outros líderes de Big Techs. Por mais que a teoria do Grande Homem tenha sido suplantada por outras mais sofisticadas, notadamente pela própria ideia de Zeitgeist, fundamentada sobre o pensamento de Hegel, parece que pelo menos pelas lentes do mercado de capitais e das narrativas midiáticas ela está passando por um revival. A concentração de poder é tanta que mesmo especialistas em risco geopolítico como Ian Bremmer (video abaixo, direto na pauta!) colocam estes indivíduos e empresas no mesmo nível de influência sobre nosso futuro coletivo que Estados e nações.

Como será que isso nos afeta como indivíduos?

Depois de uma época em que que o pêndulo do poder (percebido ou imaginado, pelo menos) se deslocou no sentido da sociedade como um todo, no início da web social e durante a juventude da Geração Y, parece que estamos em um momento de volta à concentração em (alguns poucos) indivíduos. Para ilustrar esse contraste e como as coisas mudaram em 17 anos, a “pessoa do ano” da Time de 2006: nós todos como indivíduos e o poder revolucionário do conteúdo gerado por usuários. “Você controla a Era da Informação” já parece algo de um passado remoto, ainda mais em um mundo crescentemente (re)polarizado entre creators e consumidores e em que as mídias sociais estão cada vez mais sendo só mídias.

Falamos em edições passadas sobre como muitas pessoas estão olhando para o futuro com olhos mais preocupados ou pessimistas. Certamente existem fatores mais imediatos que pesam nisso (como a inflação do custo de vida pós pandêmico), mas também fatores mais persistentes - as grandes incertezas sobre o impacto social e econômico da IA também entre eles. Outros sinais mais fracos relacionados, mas que ajudam a entender o contexto são o quiet quitting no Ocidente e tang ping na China.

Será que essa grande concentração de poder combinada aos impactos difíceis de prever da IA em diversos setores da sociedade, mais além do pessimismo, pode estar afetando como enxergamos nossa agência sobre o próprio destino, pelo menos entre quem exerce trabalho intelectual? Essa ideia de auto-determinação (que está sendo questionada pela ciência) é um dos pilares principais não só do pensamento ocidental como do próprio capitalismo. Se nós coletivamente sentimos que nossas escolhas tem menos impacto em nosso sucesso (ou pelo menos, muito menos impacto que o meio que nos envolve), como isso muda a forma que trabalhamos e consumimos? Como muda a forma que plantamos se não temos certeza se vamos colher? A que tipos de instabilidade social isso pode nos levar?

As saídas encontradas para os desafios da Era Dourada seriam muito mais complexas politicamente hoje, pela transnacionalidade das organizações e também improváveis pela importância geopolítica enorme dos avanços em IA. As especulações para os rumos da sociedade pós IA vão do catastrofismo absoluto até a utopia extrema, mesmo algumas mais informadas, e são quase sempre tingidas tanto pela ignorância técnica quanto pelos interesses comerciais. Dada a complexidade desse assunto, vamos tentar mapear e identificar figuras chave de cada linha de pensamento nas próximas edições - se interessou? Se manifeste nos comentários!

MARCA: TEMU

A Temu é um mega marketplace fundado em 2022 se expandindo globalmente em uma velocidade sem precedentes, mirando no público mais jovem. É uma empresa subsidiária da gigante Pinduoduo, conhecida como PDD, que vem capturando uma fatia cada vez maior do ecommerce chinês. 

Entraram no mercado americano já com um anúncio no SuperBowl deste ano e centenas de campanhas com influenciadores digitais e rapidamente chegaram ao topo da lista de apps mais baixados por lá em março deste ano, se tornando o sexto varejista digital no país (por tráfego, via Similarweb). Há uma expectativa de que a Temu entre no mercado brasileiro ainda este ano, mas que ainda não se concretizou até o momento da publicação desta newsletter.

A Temu um foco grande em itens baratos, especialmente nas categorias de acessórios e artigos para casa (imagine uma versão marketplace das dollar stores asiáticas como Daiso ou Miniso, mas também vendem roupas, eletrônicos e produtos de outras categorias). A estratégia do grupo PDD e da Temu tem três pilares: 

  • Social shopping: todos os produtos tem dois preços, o individual e o preço “equipe”, para produtos comprados em grupo - o número pessoas para que se chegue a esse preço varia, mas tipicamente são 10. Isso acaba criando uma experiência de compra mais social e trazer mais e mais usuários para a plataforma por recomendação. A plataforma em si tem diversos aspectos gamificados, inclusive com mini games dentro do app para conseguir descontos, moedas, etc. (um pouco como o Aliexpress, mas mais presente e com prêmios reais - ex. uma caixa de frutas para quem cultiva uma árvore virtual)

  • Preços: de forma parecida à Shein, a Temu usa logística estilo “do consumidor à fábrica”, analisando os padrões de compra de seus clientes e compartilhando esses dados com os fabricantes, que otimizam os fluxos de produção de forma reativa à demanda - com menos sobras, os preços podem ser mais agressivos. A maior parte dos produtos é sem marca.

  • Processamentos dos pedidos às fábricas e entregas de pedido mais rápidos: diferentemente da Aliexpress, a Temu despacha a maior parte de suas cargas por via aérea. Por mais que sejam fretes mais caros neste primeiro momento de entrada e não existe neste momento um limite mínimo de compra para dar frete grátis aos compradores, o Temu absorve esse custo como motor de crescimento para entrada em novos mercados. De forma comparável à Wish, eles aparentemente esperam recuperar a queima acelerada de caixa com uma eventual oferta pública, com a diferença importante que a Temu tem o grupo PDD por trás, o que potencializa bastante o fôlego dos esforços.

Por mais que estejamos em tempos de mudanças intensas de todos os tipos, inclusive no comportamento de consumo, o sucesso de modelos similares ao Temu reforça que a ideia de comprar como diversão ou passatempo e preços muito baixos continuam tendo um enorme apelo, independente da qualidade dos produtos e das práticas ESG envolvidas em sua produção e distribuição. Quanto menos a gente aceitar a valor de face estudos e profissionais que (ainda!) medem intenção de compra futura e disposição em pagar mais por produtos éticos, sustentáveis e etc. de forma geral e absoluta ao invés de comparativa e contextualizada, além de ignorar o viés de desejabilidade social, menos a gente se ilude. Será que é possível manter esses aspectos prazerosos da compra como ponto central da oferta, mas com credenciais ESG melhores? Será que as empresas que querem de fato serem mais éticas e sustentáveis entendem que colocar os aspectos ESG como atrativo principal de um produto ou serviço pode não ser relevante para muitas pessoas?

ARTIGOS - Reflexões sobre qualidade versus volume

1 Das coisas que compramos. Critica-se muito a obsolescência programada em produtos de tecnologia, como smartphones, computadores e tantos outros. A obsolescência psicológica, que é quando algo fica datado apenas em nossa percepção (por ter ficado datado esteticamente por exemplo), mas continua perfeitamente funcional, passa mais despercebida e é tão danosa por uma lente ambiental quanto, senão mais. Um artigo nosso recente sobre nostalgia (link) falou sobre como vivemos tempo em que temos mais estéticas correntes simultâneas e alguns caminhos estéticos que não vão mais embora. Como isso se liga a movimentos na moda e no design de seasonless, múltiplas correntes estéticas simultâneas e a própria ideia de datado estar ficando… datada? -

2 Dos serviços que oferecemos e contratamos -  Uma rapidinha do Seth Godin, tão sucinta que vale a pena colocar na íntegra e sem traduzir - The Pizza Principle

Good pizza is rare, even though the method to create it is well known.

Any efforts to make it more convenient, cheaper or easier will almost always make it worse.

If you think this post is about pizza, I’m afraid that we’re already stuck.

Já pensou do que você está abrindo mão comprando “agilidade”, “preço” e “automação” em pesquisa e insights?

3 De nossas interações sociais - What happened to empathy? Será que nosso número cada vez menor de interações sociais presenciais com desconhecidos ou pessoas que só conhecemos de vista (com a substituição por pedidos por aplicativos, self checkout, compras online, trabalho remoto, mídias sociais, etc.) está tendo algum efeito sobre nossa empatia? Uma reflexão não-científica, mas interessante.

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