O que podemos aprender sobre ilusões coletivas?

Como o senso comum enviesa nosso entendimento da realidade?

Quais são as “verdades” que repetimos como fato sem embasamento em dados e na realidade? Todd Rose, um psicólogo, pesquisador e ex professor de Harvard, dá uma aula (de 32 minutos, mas um excelente investimento do seu tempo) sobre ilusões coletivas, que na definição dele é quando as pessoas aceitam opiniões com as que não concordam porque elas incorretamente acreditam que é o que a maioria das pessoas acha, algo que surge na tensão que existe entre o “eu público e o “eu privado”.

Além de propor técnicas de pesquisa para encontrar essas ilusões, ele desconstrói com dados alguns mitos muito fundamentados no senso comum mas que não se sustentam na vida real, entre eles:

  • que não podemos confiar nas pessoas

  • que sucesso é riqueza, status e poder - este em particular mostra uma disparidade enorme entre o universo público e o privado

  • que o consenso dos grupos é sempre correto

  • que as normas culturais existem para nossa proteção

  • que as mídias sociais revelam o que a sociedade pensa

Este último ponto de Todd parece especialmente relevante para o Brasil. Mesmo em um país em que o uso das mídias sociais e a influência dos creators sobre decisões de compra estejam entre os mais altos do mundo (mas vale reforçar que esse dado é geral, não sobre categorias específicas!),  o princípio 90-9-1 (também conhecido por desigualdade participativa) de Jakob Nielsen, um dos pais da disciplina de UX, ainda se aplica - é uma pequena minoria que produz a maior parte do conteúdo enquanto uma vasta maioria, de perfil muito diferente do primeiro, consome silenciosamente. Resultados similares se repetem inúmeras vezes em diversos estudos feitos em plataformas distintas, inclusive em um bastante recente em um feito pela Universidade Brigham Young (BYU). Tratar o recorte dos produtores ou usuários com alto volume de postagens como representativos do todo é um erro crasso - é a mesma coisa que considerar a Xuxa e as Paquitas como representativas dos brasileiros nos anos 80/90. Influenciar não é a mesma coisa que representar. 

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Em um contexto em que as portas para raspagem e acesso público aos dados dessas mídias estão fechando, os feeds estão esvaziando em favor dos stories  (que desaparecem em 24 horas) e em que sabemos que a grande maioria da comunicação (estima-se mais de 80%!) acontece em dark social (mensagens privadas não monitoráveis), todos fatores que limitam enormemente as análises feitas sobre os dados públicos, essa ilusão é especialmente danosa por potencializar inúmeros pontos cegos e viéses. Fica o convite para refletirmos sobre a quem serve a manutenção dessa ilusão e a tratar com mais ceticismo estudos feitos só sobre estes dados. Quais convicções sobre o mundo do lado de fora de seu CNPJ você acha que podem ser ilusões coletivas?

Em que outras instâncias o senso comum nos engana?

A geração Z cai em mais golpes digitais do que seus avós Baby Boomers - Ainda sobre ilusões coletivas, a narrativa dominante é que os mais jovens tem mais domínio e conhecimento sobre a tecnologia do que os “tios do Zap”, um estereótipo etarista muito presente em nossa cultura. Pelo menos nos EUA, Reino Unido e no Canadá, a história não é bem assim - a Cybsafe, uma empresa de cibersegurança, fez um estudo sobre com 3000 participantes nos 3 países que mostra que quem mais cai em golpes online é a geração Z, mais de 3 vezes mais do que os Baby Boomers.

As teorias que podem explicar isso são muitas. Uma pode ser o uso mais frequente e mais variado de tecnologia, o que os expõe quantitativamente a mais riscos. Outra, comum em discussões de profissionais de desenvolvimento de software, é que os avanços em UX e facilidade de uso foram tão grandes nos últimos anos que os mais jovens acabam privilegiando a conveniência sobre a segurança e os mais velhos, que cresceram com interfaces piores estão mais preparados para lidar com imprevistos ou as coisas não funcionarem. Veja o estudo na íntegra aqui.

IA generativa é excepcional em tarefas criativas, mas falha em solução de problemas de negócio - Em outro estudo com resultados contraintuitivos, a BCG, acompanhada por pesquisadores de Wharton, MIT Sloan, Harvard Business, Pennsylvania e Warwick fez um experimento com 750 de seus consultores. Os que usaram o GPT-4 para uma tarefa criativa em inovação de produto (ideias para novos produtos e estratégias de go-to-market) tiveram performance 40% melhor do que os que não usaram. No entanto, para a solução de problemas de negócio (identificar problemas analisando dados de performance e entrevistas com executivos, aquela bela mistura de quali e quanti), a performance dos que usaram o GPT-4 foi 23% pior do que os que não usaram. Uma das conclusões do estudo foi que a ferramenta tende a enganar os usuários nestes contextos analíticos quando os consultores se apoiaram só nela e não em seu próprio julgamento - recado dado? Reforçando o ponto deste estudo, a Nature, das revistas científicas mais prestigiosas do mundo, publicou um outro estudo que destaca que apenas os humanos mais destacados superam IA em tarefas relacionadas a criatividade e pensamento divergente.

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