• Rastro das Mudanças
  • Posts
  • O que podemos aprender sobre humanos com pesquisa eleitoral e um mestre do design?

O que podemos aprender sobre humanos com pesquisa eleitoral e um mestre do design?

O legado de uma lenda viva do design de produtos

RAMS é um documentário de 2018 sobre a lenda viva do design, o alemão Dieter Rams. Hoje com 90 anos, o designer industrial teve grande parte de sua história ligada à Braun (de bens de consumo, principalmente eletrônicos) e à Vitsœ (de móveis). 

rams' Documentary Screening in St. Louis at Brennan's Work &

Visto como extremamente visionário, foi um pioneiro na ideia de design sustentável e contra a obsolescência planejada já nos anos 70, e seus dez princípios do bom design, mais contemporâneos do que nunca, ainda guiam o trabalho de profissionais da área em todo o mundo. Para nós, é uma referência importantíssima porque ele foi pioneiro em colocar os usuários no centro no design de produtos.

Além disso, inúmeras de suas criações estão expostas em museus ao redor do mundo, como no MoMA de Nova York, Design Museum de Londres, Museum of Applied Arts de Frankfurt, entre outros. Sua influência ainda é muito perceptível mesmo décadas depois de sua aposentadoria. Jonathan Ive, chefe de design da Apple de 1992 até 2019, tem em Rams uma grande influencia e  ele referenciou várias de criações de Dieter nos produtos da marca  - se você tem um iPhone ou Mac, é só abrir a calculadora para ver a inspiração na ET66. Completando os atrativos, o diretor do filme é o mesmo do Helvetica e do Objectified, dois documentários bastante reconhecidos no mundo do design. A trilha sonora foi feita por Brian Eno.

Para assistir no Brasil, é só alugar o filme no Vimeo, já que ele não está disponível nos streamings por assinatura por aqui.

O que existe de comum entre pesquisa eleitoral e de mercado?

O que podemos aprender com as críticas feitas aos institutos de pesquisa eleitoral?

stack of jigsaw puzzle pieces

Intenção versus comportamento

Muitas pessoas do público em geral ou mesmo comentaristas da imprensa apontaram o “erro” das pesquisas neste último ciclo eleitoral. Começando pelo fundamental, a expectativa de que o resultado das pesquisas reflita o resultado das urnas dentro da margem de erro é conceitualmente incorreta - a margem de erro se refere à amostra de um estudo específico (o quanto precisamente ele representa a realidade naquele momento), não ao resultado final. 

As pesquisas eleitorais medem intenção de voto, ou seja, um prognóstico de um comportamento futuro que pode ou não acontecer por diversos motivos. Assumir que 100% das pessoas não mudem de ideia ou mesmo não desistam de votar das pesquisas até as urnas, é reducionista e ingênuo. Diferenças grandes entre intenção e comportamento pedem um entendimento mais aprofundado do que está acontecendo e não necessariamente é uma falha dos institutos. Diferentemente de estudos de mercado, o comportamento aqui acontece uma única vez (por turno) e a apuração é tão rápida que a boca de urna deixa de fazer sentido.

Nem a melhor técnica salva ingredientes inadequados

Em gastronomia, é muito raro ter bons resultados com ingredientes ruins mesmo que a técnica seja excepcional. A mesmíssima coisa é observável em pesquisa: a qualidade do material de origem (recrutamento qualitativo, painéis online, entrevistadores para campos telefônicos e presenciais e origem dos dados de forma geral) é indissociável da qualidade do resultado - os cientistas da computação chamam isso pelo acrônimo GIGO (garbage in, garbage out - lixo dentro, lixo fora). 

Com o Censo, matéria prima crítica que guia as decisões de representação amostral, atrasado e com 12 anos de idade, o trabalho dos institutos ficou muito mais difícil. Variáveis muito relacionadas com voto como faixas de renda, religião declarada e porte da cidades podem estar muito defasadas, especialmente depois de passarmos por uma das maiores recessões da história do país e uma pandemia. Dadas as circunstâncias, os institutos fizeram um trabalho bastante louvável, ainda que haja críticas pertinentes. 

Mas técnica e fundamentos importam, e muito!

Para mitigar os efeitos da abstenção nos resultados, alguns institutos usaram likely voters, ou seja, filtraram os resultados por uma pergunta que mede a intenção dos eleitores de efetivamente comparecerem à votação. Ainda que a abstenção ronde historicamente os 20% no Brasil, um dos poucos países em que o voto é obrigatório, entender como ela afeta diferentes recortes da sociedade ajuda muito a entender seu efeito nos resultados.

Entender e aceitar limitações - triangular sempre que possível

Além disso, a onda de descrédito e até mesmo de sabotagem dos resultados contra os institutos são variáveis muito difíceis de serem controladas. Em sistemas bipartidários como o americano ou primariamente bipartidários como o britânico, pode ser útil filtrar os resultados por quem a pessoa votou na eleição anterior. O Estado de São Paulo publicou um editorial assinado por executivos internacionais da Ipsos e da Eurasia com algumas críticas pertinentes (entre outras mais simplistas e que desconhecem a realidade de nosso mercado) e sugerindo possíveis ajustes nos processos. Acreditamos também que adicionalmente, teria sido importante entender qualitativamente os grupos que se posicionam contra os institutos e contra as pesquisas, para que seja possível criar modelos que considerem seu impacto nos resultados.

Tendências preocupantes e desafios da democratização de pesquisa

Nestes últimos tempos, o número de pessoas teoricamente letradas em círculos relacionados a marketing, negócios e mesmo de parte da imprensa postando coisas que não fazem sentido algum conceitualmente sobre pesquisas foi assustador. 

Com tanto pesquisa de mercado quanto pesquisa de experiência do usuário (UX) ganhando mais e mais espaço no mercado, é essencial que os profissionais responsáveis pela contratação de pesquisas em empresas sem departamentos técnicos dedicados compreendam pelo menos os fundamentos. Os equívocos conceituais em pautas como viéses, qualidade da amostra, margem de erro, finalidade de estudos qualitativos e falácias lógicas são muito comuns. assim como a dificuldade dos contratantes em reconhecerem os seus próprios viéses (principalmente o viés de confirmação, um dos mais potencializados pelo consumo de informação mediado por algoritmos), o que pode inclusive levar algumas empresas a “atirarem nos mensageiros”, como vem acontecendo nas pesquisas eleitorais e parte do público em geral.

Para que pesquisas cumpram sua missão de suportar a tomada de decisões melhores, é preciso que esses fundamentos sejam mais conhecidos e entendidos universalmente, mesmo por quem só é afetado por elas tangencialmente. Uma sociedade que abraça o método científico é uma sociedade mais protegida contra a desinformação e que chega ao consenso mais facilmente e baseada em dados.

Para quem se interessa pelo assunto, segue a análise mais completa que lemos sobre a performance de cada instituto, seu entendimento dos acontecimentos e o resultado final do 1o turno.

Reply

or to participate.