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Isso os números (ainda) não mostram: como o foco obsessivo no metrificável nos cega para o essencial?

O que os indicadores que norteiam sua estratégia podem estar ignorando?

A utopia de metrificação total do digital não entregou a clareza que prometeu

A ascensão do marketing digital trouxe a promessa de que ia ser possível medir tudo, mas tempos depois e com muito mais métricas para olhar, os profissionais  parecem imersos em dados, mas cada vez mais cheios de perguntas sem respostas, algumas delas bem antigas. A abundância não necessariamente trouxe clareza na direção, e como dissemos na edição passada, puxou a qualidade dos dados e análises para baixo em muitos casos. A reação visceral parece ter sido passar a focar em um número menor métricas mais abrangentes à revelia de todo o resto, o que também causa problemas importantes.

A falácia de McNamara e as distorções trazidas pelo hiperfoco no fácil de medir

As limitações da dependência excessiva de algumas métricas específicas já são bastante visíveis. Muitos usam NPS como uma métrica “tudo ou nada”, ignorando diversos problemas graves que ela é incapaz de medir, as circunstâncias em que medir a qualidade de uma interação específica faria muito mais sentido do que a recomendação geral e a alta probabilidade de que dissemine incentivos perversos quando é atrelada a premiações e punições. 

A atribuição de último clique, ao ignorar todo o resto da jornada, induz ao erro, dando importância desproporcional a este último ponto tanto em estratégias quanto em investimentos - foi o último drinque que causou a ressaca ou foi o conjunto da obra?

Recomendações de influencers e produtores de conteúdo são rastreadas com links ou códigos mas recomendações de amigos e conhecidos raramente são medidas a não ser quando um link específico de desconto ou recomendação é usado, o que potencializa que a gente subestime muito a influência de conversas e interações não monitoradas - se é mais difícil de medir, tem menos valor?

Esses três comportamentos, entre muitos outros com a mesma linha de raciocínio, revelam uma tendência a priorizar aquilo que é fácil de medir e quantificar, fechando os olhos para a visão de todo e de outras coisas que sejam igual ou mais importantes, mas que sejam mais difíceis de medir ou não sejam quantificáveis. São sintomáticos de ambientes com baixa tolerância à ambiguidade e à nuance, ambos fundamentos de estratégias eficazes. Esse é um engano clássico e que tem nome - a falácia de McNamara, secretário de Defesa americano nos anos 60 (e presidente da Ford por um mês) que acreditava em medir o sucesso da Guerra do Vietnã (só) pelo número de inimigos e soldados americanos abatidos - um dos maiores responsáveis por possivelmente o maior fiasco militar da história dos Estados Unidos. 

Sociology is Hard | Memoirs of a SLACer

Conciliando a busca por objetividade absoluta nas empresas com um mundo de humanos subjetivos e irracionais

Quando são propostos olhares que abraçam a complexidade humana, muitas corporações respondem com “isso é muito subjetivo!”, como se a experiência humana não fosse profundamente subjetiva. Tanto que personagens de ficção caracterizados como consistentemente lógicos e objetivos (como o Dr. Spock ou o Data em diferentes gerações de Star Trek, ou o Sheldon Cooper de Big Bang Theory) são cômicos ou causam estranhamento para nós como audiência justamente por serem “humanos de menos”.

Em contrapartida, essa expectativa por objetividade absoluta e a simplificação a todo custo de nossa complexidade torna algumas empresas vítimas fáceis de vendedores de atalhos de todos os tipos: frameworks, fórmulas mágicas, personas baseadas na imaginação dos criadores e outros caminhos que acabam em generalizações grosseiras ou charlatanismo. Essa visão pautada por certezas absolutas e respostas definitivas é inimiga tanto da ciência quanto do entendimento humano e, fantasiada de pragmatismo, falha por sobrevalorizar o conhecido e subestimar o que se desconhece.

Mas nem tudo são trevas: depois da promessa quebrada, o pêndulo parece estar indo na outra direção. Discussões importantes como a do equilíbrio entre performance e branding vêm ganhando corpo nas redes e nos corredores. Um dos estudos mais importante sobre o setor de insights vem falando há algumas edições sobre uma renascença e valorização do qualitativo depois da pandemia. Mesmo em B2B, onde a presunção de “racionalidade absoluta” imperou por décadas, muitas empresas estão trabalhando atributos mais emocionais e mais especialistas estão discutindo formas mais abrangentes de entender a jornada, baseadas em entendimento aprofundado dos clientes.

Algumas das maiores lacunas e espaços com mais potencial estão escondidos em plena vista porque tendem a ser invisíveis para as métricas

Quer você prefira chamar de thick data, small data, ou do escondido em plena vista, existem tanto enormes oportunidades inexploradas quanto fiascos passando despercebidos por serem difíceis de medir ou de quantificar, algumas vezes passando por assuntos mais cabeludos como cultura, valor simbólico e na tensão entre o público e o privado.

Para piorar, o foco em ganhos de curto prazo (estes, sempre medidos!) diversas vezes ignoram danos graves ao relacionamento (estes outros, nem sempre!): aquele cancelamento de serviço deliberadamente escondido e com múltiplos passos para baixar o churn na macetada, dificultar o acesso a atendimento humano no chatbot incapaz de resolver seu problema, aquele uso de garantia ou pedido de troca recusado de forma arbitrária ou justificado com letra miúda, o atendente humano tão amarrado por protocolos que parece um robô…

Abraçar essas oportunidades e resolver este problemas depende da aceitação que nem todos os aspectos críticos para o sucesso podem ser quantificados. O que te passa despercebido hoje que pode ser areia nas engrenagens do seu crescimento?

ARTIGOS - Reflexões sobre o momento atual e o futuro da internet

Porque a internet não é divertida mais - Uma defesa da ideia de como uma separação cada vez mais marcada entre criadores e consumidores de conteúdo tornou a internet menos rica e divertida do que era antes. Do texto, traduzido: “Publicar nas redes sociais pode ser um ato menos casual nos dias de hoje, também, porque vimos as ramificações de borrar a fronteira entre as vidas física e digital. O Instagram inaugurou a era da auto comodificação online - foi a plataforma da selfie - mas o TikTok e o Twitch a turbinaram. Selfies já não são suficientes; plataformas baseadas em vídeo exibem seu corpo, sua fala e maneirismos, e o ambiente em que você está, talvez até em tempo real. Todos são forçados a desempenhar o papel de influenciadores. A barreira de entrada é mais alta e a pressão para se conformar é mais forte. Não é surpresa, neste ambiente, que menos pessoas se arrisquem a postar e mais se acomodam como consumidores passivos.” Pelas beiradas das redes, manifestações como as dailies no Instagram surgem como uma possível tentativa de “fazer o Instagram legal de novo” e resgatar esse lado mais prosaico e as trocas com pessoas próximas que foram se perdendo com o avanço da criação de conteúdo profissionalizada. 

Todo mundo é vendido agora - sobre como a obrigatoriedade de se auto promover online e criar sua própria audiência é um remédio amargo para muitos profissionais. A “tirania” da marca pessoal força artistas e autônomos em particular, mas cada vez mais pessoas no mundo corporativo, a gastar mais tempo se promovendo do que fazendo o que é de fato é seu trabalho, em um contexto em que boa parte das pessoas se sente desconfortável se expondo publicamente (e eventualmente com a exposição do outro!).

Ninguém sabe o que está acontecendo online - A sala de espelhos das recomendações algorítmicas e a opacidade das plataformas torna cada vez mais difícil saber o que é um sucesso universal versus aquilo que está apenas concentrado em públicos específicos. Mesmo fora das redes, a fragmentação do consumo faz conteúdos líderes nas plataformas de streaming continuarem relativamente desconhecidos apesar de números gigantescos de visualizações.

A internet está prestes a ficar esquisita de novo - Com o techlash, as possibilidades de regulação, a ascensão a conta gotas da Web 3.0 e os aplicativos low code e no code podem nos levar a uma fase mais livre e experimental na internet, parecida com os anos 90 e 00.

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