A armadilha do "se colar, colou" no marketing

Por que propostas de valor mutuamente benéficas de verdade criam marcas longevas e saudáveis?

Fora do “varejão” (feiras livres, supermercados, varejos mais populares de vestuário, etc.), parece que os empreendedores e marcas brasileiros têm uma tendência a tentar justificar preços maiores ao invés de pensar mais no volume e no valor. Claro que um histórico de instabilidade econômica praticamente constante e uma das maiores concentrações de renda do mundo certamente pesam, mas como isso não acontece só nas empresas, cabe uma reflexão sobre que traços culturais nossos podem ter a ver com isso.

“Se colar, colou” pode até ser norma cultural, mas não é uma boa estratégia de precificação nem de posicionamento

Um estudo recente do Quinto Andar mostra que 54% dos imóveis para venda e 37% dos para aluguel estão precificados acima do mercado e o resultado é, além de demorarem mais a serem vendidos ou alugados, os imóveis com sobrepreço são mais descontados quanto mais tempo passam na plataforma, o que sugere que a estratégia desses proprietários tem um efeito bem diferente do esperado. É “se colar, colou?” É querer passar a sacola para o “mais tolo”? É uma aversão à perda muito exacerbada? É colocar o valor sentimental na conta?

Outra má prática em precificação, tão universal que virou meme, é o “preço por inbox”, que inclusive é vetada pelo Código de Defesa do Consumidor. Será que é uma forma de proteger o preço desejado de uma negociação pública? De inibir a comparação? De precificar diferente de acordo com a afinidade que o vendedor tem com o comprador ou segurar margem se for vender para um desconhecido?

CHAMA! : r/brasil

Tanto no caso dos imóveis quanto as vendas por inbox, há rastros do homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda: o personalismo, a emoção sobre a razão e a irreverência. De um ponto de vista mais estratégico, há também um individualismo pouco pragmático e uma incapacidade de ver a oferta pela perspectiva de quem está comprando.

A própria ideia de “gourmetização”, que se popularizou bastante há dez anos atrás (talvez como consequência da crise 14-16?), tem um significado negativo e ligado ao preço - o que sobe de nível é o gasto e a sofisticação do discurso (que é o que justificaria o desembolso), mas não necessariamente o valor percebido do que está sendo entregue. É mais um sinal, aqui sobre negócios e não só sobre indivíduos, de como esse descolamento é comum, e de como prometer demais invariavelmente frustra. Mesmo a ideia de “jogada de marketing” da forma como se usa popularmente sugere uma mentira bem contada e que marketing é mais a promessa do que a entrega - precisa ser assim?

Nesta era do marketing em que tanta gente procura “gatilhos” e “hacks” (várias vezes eufemismos para formas de ludibriar o outro, pensamento mágico fantasiado de atalho, ou as duas coisas), propor algo que pareça justo e tenha atrativos críveis para quem compra parece até revolucionário.

Na contramão, existem propostas de valor extremamente bem sucedidas e longevas que vão justamente na direção oposta, como o Costco - lá, as ofertas são tão bem avaliadas que o que paga mesmo as contas da empresa são as assinaturas pagas pelos clientes, que sentem que estão fazendo um negócio excelente para terem acesso a elas.

E se a briga fosse para prometer menos e entregar mais?

Uma proposta de valor que só é crível da porta do negócio para dentro é um risco enorme, porque no momento em que é comunicada direta ou indiretamente, ela baliza uma expectativa que é atendida ou frustrada pela experiência que o cliente tem, o famoso “momento da verdade”. Essa é a conta mental que determina recorrência e recomendação. Todo marketeiro que se preza deveria lembrar sempre que satisfação é expectativa menos realidade.

Nash ganhou um prêmio Nobel demonstrando matematicamente que buscar só o autointeresse recompensa menos do que negociar o ganha-ganha. O problema é que chegar no mutuamente benéfico dá mais trabalho porque não é sobre dizer ao outro o que é bom para ele, mas sobre entender exatamente (não assumir!) o que ele de fato valoriza. Isso envolve estar disposto a estar errado, não subestimar a inteligência do outro e criar contextos que dêem espaço a esse outro de fazer críticas sinceras e diretas com suas próprias palavras - um pouco como fazer terapia de casal. Se isso soa como pesquisa qualitativa conduzida por um parceiro externo neutro e experiente, ao invés de ecoar os falsos consensos dos corredores corporativos ou as opiniões performáticas nas mídias sociais, isso não é por acaso.

Resumindo, se você está trabalhando em algo com uma proposta de valor premium ou em que o preço não é o atrativo principal, talvez a coisa mais importante a ser feita é garantir que pare de pé como oferta na cabeça de quem você quer atingir, não só na sua, especialmente em uma cultura onde o “se colar colou” é tão presente e fazer críticas duras e diretas pessoalmente não é comum ou bem visto. Muitos clientes simplesmente não dão feedback sobre experiências frustrantes. Como em outros tipos de relacionamento, quem reclama ou briga ainda tem esperança de resolver ou melhorar - os desiludidos pegam suas coisas e vão embora.

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